sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Ateísmo ressabiado


José Saramago escandalizou meio mundo com a sua crítica à Bíblia. Dizer que ela é um “manual de maus costumes” é de facto atrevimento que parece revelar mais alguma coisa do que ignorância.
Vamos, por isso, deixar hoje aqui o testemunho de um outro escritor de uma geração mais nova e que é considerado pela crítica especializada uma das grandes promessas da literatura do século XXI. Trata-se de Nathan Englander, nascido em 1970, em Long Island, nos Estados Unidos e que faz do questionamento sobre a identidade religiosa um de seus temas dilectos, o que lhe garante comparações com escritores como Philip Roth e Isaac Bashevis Singer.
Valemo-nos para isso da entrevista que lhe fez António Monda, no seu livro “Acreditas? Conversas sobre Deus e a religião”, do qual reproduzimos o seguinte:

«Ainda lês os textos sagrados?
Estás a brincar? Claro que leio. E considero-os a obra mais bela que já foi escrita: quem quer que tenha escrito a Bíblia é Deus.
Também conheces o Novo Testamento?
Não tanto como o Antigo, mas fico sempre emocionado com o incipit do Evangelho de São João: “No princípio havia o Verbo; o Ver-bo estava em Deus e o Verbo era Deus”.
Dizes isso como escritor ou como homem de fé?
Por vezes, interrogo-me sobre se haverá alguma diferença. Mas se te referes àquilo que permaneceu dentro de mim do rapaz educado nas Escrituras, digo-te que, quando fecho a Bíblia, beijo-a e tenho cuidado com a posição em que a coloco na minha estante.
O que é que te fascina particularmente na Bíblia?
A sua complexidade, e a capacidade de falar na linguagem da eternidade».
Agora o meu leitor é que é o juiz. Como se pode explicar tanto ódio de José Saramago a uma obra considerada por quase toda a gente como um tesouro da humanidade? Não será ressentimento recalcado por o seu comunismo ateu não ter conseguido vingar na sociedade e ter deixado atrás de si um rasto de perseguição e morte de muitos milhões de pessoas?

6 comentários:

Joaquim Costa disse...

Saramago já mostrou o que é, quando este à frente de O DIÁRIO DE NOTÍCIAS.
Graça Franco, e não só, falou disso mesmo em artigo de opinião.
Comecei a minha carreira de jornalista no Diário de Notícias.

«Tinham passado ainda poucos anos da breve passagem de Saramago pela direcção do Jornal. Não deixara saudades.

Ficou a imagem de perseguidor feroz dos adversários numa passagem tristemente marcada pelo saneamento político de dezenas de jornalistas.

Viviam-se tempos difíceis de enorme tensão política e luta ideológica. Mas, então como agora, houve quem soubesse escolher o respeito pela liberdade de expressão dos “inimigos” e os que não resistiram à tentação de tentar, por todos os meios, e em nome de novas verdades absolutas, prolongar os tempos da censura.

A defesa da liberdade de expressão e crítica aberta não foi então a marca de água do escritor.

Não serve o argumento para coarctar a sua. Tem Saramago direito a propagar o seu jacobinismo e dizer o que pensa. Até de declarar guerra a Deus e às religiões embora o respeito pela liberdade dos outros aconselhasse, aqui como em tudo, a dispensa do insulto fácil.

Os que acreditam em Deus esperam que as dúvidas de Saramago sobre a Sua existência se dissipem, um dia, num encontro a dois. Onde, para espanto do escritor, em vez do juiz cruel que a sua imaginação produziu e a razão rejeita se encontrará com O Pai infinitamente bom. Capaz de compreender toda a arrogância e perdoar o insulto.

Aos crentes, incapazes da mesma atitude, resta: não comprar.
Graça Franco»

Fá menor disse...

"Dizes isso como escritor ou como homem de fé?
Por vezes, interrogo-me sobre se haverá alguma diferença."

A nossa vida não pode ser compartimentada. Se somos pessoas de fé só podemos agir como tal em todas as situações.

Ainda bem que existem escritores, e muitas outras pessoas com um certo estatuto social, que não têm pejo de se afirmar de fé!
Grandes lições que muitos não querem ver.

Abraços

P. Orlando Henriques disse...

Na verdade, o ateísmo de Saramago parece ser fruto de ressentimentos de infância recalcados, de uma revolta mal digerida para com a educação religiosa tradicional que recebeu. Foi o mesmo que aconteceu com Sartre.

Mas o mais interessante disto é que Saramago se tornou um grande publicitário da Bíblia! Vejam este delicioso excerto de um artigo de João Pedro Martins:

«A má pessoa imaginária [Deus] que Saramago persegue e teima em negar preparou uma vingança ao escritor e usou o velho Nobel para lançar o debate, não sobre Caim mas sobre a Bíblia, e trazer novos leitores para o livro escrito por um Deus que o escritor diz ser vingativo.
Ao inaugurar a sua nova piscina literária baptizando-a de Caim, Saramago anunciou aos nadadores da literatura um oceano infinito chamado Bíblia. E ninguém vai querer um patinho de borracha ou uma bóia numa piscina com cloro quando pode pescar e mergulhar num oceano de águas profundas.»
Por isso, «obrigado, Saramago»!

Este artigo foi publicado no DN. Vejam o texto completo em:
http://dn.sapo.pt/inicio/opiniao/jornalismocidadao.aspx?content_id=1400559

Anónimo disse...

Que tem a Bíblia de especial que não pode ser criticada?
É um livro sagrado?!
Até parece...

jammarques disse...

Olá Ver para Crer:
Para lá dos méritos literários de Saramago (que aprecio mas não idolatro)vem a propósito deste seu cabeçalho Ateísmo Ressabiado e desenvolvimento na forma de entrevista "a um dos maiores escritores do século XXI"que duvido que alguém conheça cá...(estranhando misturas com o genial Philip Roth,essa é a verdade)trazer à luz do seu blog este texto
sintético e definitivo sobre a natureza mesmo das "nossas"queridas religiões
http://dn.sapo.pt/inicio/artes/interior.aspx?content_id=1404512
e coteje-se com aquele outro texto
acima sugerido pelo crente Orlando G.Henriques:aqui quer J.Pedro Martins congratular-se com mais do mesmo-MAIS POVÃO A LER O LIVRO!!!,bom-,ali Pilar del Río,que se fartou de navegar no "LIVRO",diz-nos franca e singelamente PENSA POR TI,o mais é despiciendo!!!,e diria eu,maxime AQUELE E QUEJANDOS "LIVROS"...

jammarques disse...
Este comentário foi removido pelo autor.