terça-feira, 6 de março de 2012

Deixaram-nos na miséria


Há uns pares de anos, bateu-me à porta um casal de idosos para desabafar um pouco comigo e contar as suas mágoas. Naturalmente não os vou identificar, pois isso não seria curial da minha parte. Não eram das minhas paróquias mas de um concelho vizinho.
E começaram por me dizer que tinham sido enganados, pois as suas doenças haviam-nos levado a frequentar uma seita dita cristã que há pouco tinha chegado a Portugal e era na altura muito badalada. Afinal – concluiram – as promessas de os curar não foram cumpridas e agora diziam que Deus os não curava por que não tinham fé.
«Veja, senhor padre, disseram-nos que Deus nos curava se déssemos boas ofertas para essa igreja, demos tudo quanto podíamos e agora estamos na miséria e ainda mais doentes».
Ao longo da minha vida de pároco, tive largas dezenas de pessoas com desabafos parecidos. Recorreram a bruxos, a santinhas, a espíritas, etc., mas os seus males só aumentaram.
Um dia aparece-me uma rapariga a dizer que a bruxa – depois de lá ir diversas vezes e cada vez estar pior – lhe disse que só o pároco de certa freguesia (e na altura era eu o padre dessa paróquia) a conseguiria curar. Perguntei-lhe se já tinha ido ao médico. Disse-me que até trabalhava num consultório médico, mas a família e pessoas amigas lhe haviam dito que a sua doença não era curável por médicos. Ela disse-me que por vezes perdia o juízo e até chegou a andar nua na sua aldeia.
Disse-lhe que eu também não tinha capacidade de a curar, mas que, se ela fizesse o que eu lhe iria pedir, tinha a certeza que ficaria curada.
Naturalmente uma pessoa naquelas circunstâncias não me iria dizer que não ou me pediria condições. Garantiu-me que sim, faria tudo o que eu lhe pedisse. E lá foi ao grande especialista de doenças neurológicas e psiquiátricas, o dr. Nunes Vicente (pai), que a curou. Daí a uns tempos dizia-me que estava boa, que nunca mais lhe tinha dado nenhuma crise. Só lhe custava ver as pessoas a olhar para ela como a coitadinha que até andava despida pelas ruas da terra. E a meu conselho foi viver para outro sítio, onde ninguém conhecia o caso.
Se continuasse a não ser devidamente medicada, que seria dela?!

2 comentários:

Anónimo disse...

Ora aqui está um caso típico que tantas vezes se repete, principalmente no que é relatado na primeira parte: crendice a aproveitamentod a necessidade e da boa fé das pessoas símples.
A pessoa em causa foi, por fim, bem compreendida e bem acompanhada, e eu concluo que a Ciência e a Religião podem andar de mãos dadas sem atropelos, cada uma na sua área. As duas juntas são um factor de elevação das pessoas. Conheço uma pessoa que tem feito muitas operações e quando vai para a sala de operações entrega-se plenamente nas mãos de Deus e nas mãos dos médicos que reeberam dEle a capacidade de tratar das pessoas com sucesso.
FF.

Ver para crer disse...

Há muito a fazer ainda neste campo de abrir os olhos às pessoas para que não se deixem iludir.
Creio bem que são inúmeras as que se arrependem de se meter em bruxarias e quejandos.