terça-feira, 26 de janeiro de 2010

A defesa da cruz




A decisão do Tribunal Europeu de Direitos Humanos que condenou os crucifixos nas salas de aula por ofenderem, segundo aqueles juízes, a liberdade religiosa dos alunos, está a unir os italianos na defesa daquele símbolo cristão.
Recordo que aquela sentença acabou por dar razão a uma mãe italiana moradora em Abano Terme, que reivindicou em 2002 ao instituto público Vittorino da Feltre (onde estudavam seus filhos) a retirada dos crucifixos das salas de aula. Os tribunais italianos negaram essa sua pretensão e ela recorreu para aquele tribunal europeu, que lhe deu razão.
Ao tomar conhecimento daquela decisão, todos os governantes da Itália disseram que não iriam aceitar a retirada da cruz das escolas públicas, pois não reconheciam legalidade a tal decisão. "É uma decisão não vinculativa, sem condições de proibir a presença dos crucifixos nas salas de aula de nosso país", disse Berlusconi, em entrevista pública, após o Conselho de Ministros.
Sílvio Berlusconi referiu-se à presença do símbolo católico em outros sectores cosmopolitas. "Oito países da Europa têm a cruz na sua bandeira. Então, o que é que isto significa? Que essas bandeiras devem ser alteradas porque nesses países há estrangeiros que ganharam cidadania?", questionou.
E por toda a Itália começou uma verdadeira campanha a favor da cruz nas escolas e nos edifícios públicos, que não se ficou por palavras. Presidentes de Câmara chegaram a encomendar crucifixos para colocarem nos espaços públicos.
Por exemplo, em San Remo, no noroeste de Itália, o Presidente da Câmara Maurizio Zoccarato encomendou uma cruz de dois metros de altura para a Câmara Municipal e mandou os directores de todos os estabelecimentos de ensino colocar um crucifixo nas salas de aula. A fachada do Teatro Bellini de Catania, na Sicília, passou a ostentar uma grande cruz totalmente nova. Há cada vez mais comunidades italianas a encomendar crucifixos para as suas escolas. Por exemplo, em Sassuolo, na Província de Modena no Norte de Itália, a cidade encomendou 50 cruzes novas para serem penduradas nas salas de aula que ainda não têm. E coisas parecidas ocorreram e ocorrem por toda a Itália.
Aquilo que nenhuma campanha publicitária mais bem orquestrada conseguiria, está a verificar-se por oposição a uma sentença que fere o sentir mais profundo de um povo.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Morreu com os pobres


Há pessoas que ao morrer deixam uma auréola enorme de santidade. É o caso de Zilda Arns que dedicou a sua vida a ajudar os mais pobres. Chegou a pensar em dar aulas, mas migrou para a Medicina e, desde sempre, para o trabalho voluntário.
“Em 1983”, lembra Zilda, “James Grant, na época director-executivo do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), propôs ao meu irmão, Dom Paulo Evaristo Arns (hoje cardeal-arcebispo emérito de São Paulo), que a Igreja Católica contribuísse para a diminuição da mortalidade infantil pela difusão do soro caseiro. Dom Paulo telefonou-me e propôs que eu escrevesse um projecto para apresentar à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.” Estava nascendo a Pastoral da Criança.
O trabalho como médica pediatra e de Saúde Pública (formou-se em 1959) deu-lhe experiência. “Desde muito jovem eu sonhava em trabalhar como missionária para poder ajudar crianças e famílias pobres a ter mais oportunidades e melhor qualidade de vida. Quando decidi ser médica, pensava em ir para lugares como as comunidades ribeirinhas da Amazónia e as favelas do Rio de Janeiro, para cuidar de crianças”.
Este sonho realizou-o largamente dedicando-se inteiramente à Pastoral da Criança. No ano passado, esta Pastoral acompanhou de perto 100 mil gestantes e 1,9 milhão de crianças pobres menores de seis anos. Foram, no total, 1,465 milhão de famílias acompanhadas em 42.672 comunidades, espalhadas por 4.120 municípios de todo o país. Quem faz esse trabalho é um exército de 272.373 voluntários, sendo 149.691 líderes comunitários, na grande maioria (mais de 90%) mulheres.
Em 2004, a doutora Zilda passou a coordenar também a Pastoral da Pessoa Idosa, criada naquele ano. São 6.500 voluntários em 276 municípios, que acompanham mensalmente mais de 36 mil idosos. No ano passado, ela foi indicada para o Prémio Nobel da Paz. E bem o merecia!
No passado dia 12 estava em serviço no Haiti e morreu, vítima do sismo, acompanhada de muitas outras pessoas pobres a quem queria também ajudar.
Que belo exemplo de dedicação esta Mulher nos dá a todos!

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

A Obra do Gaiato


Ao celebrar os 70 anos da fundação da Obra da Rua ou Obra do Gaiato, vale a pena recordar o seu fundador e o bem que fez a tantos miúdos sem família.
Depois de acabar o curso de Teologia no Seminário de Coimbra, o Padre Américo foi nomeado perfeito e professor do Seminário. Mas cansado e com um esgotamento cerebral, foi-lhe confiada a Obra da Sopa dos Pobres e aí encontrou a sua verdadeira vocação – o mundo dos sem-família. Pouco depois inicia as Colónias de Férias do Garoto da Baixa em Coimbra, estágio embrionário do que viria a ser posteriormente a Casa do Gaiato. O garoto vadio e sem o amor duma família passa a ser a sua principal preocupação. O «Quim Mau» que tantos perseguem e poucos compreendem passa a ser o emblema da sua Obra – a Casa do Gaiato.
E a propósito da necessidade que os miúdos sentem sobretudo de uma mãe que os acarinhe, deixo aqui um texto publicado há tempos pelo Padre João, antigo responsável da Casa do Gaiato de Miranda do Corvo.
«Numa das Casas do Gaiato por onde passei, era frequente observar as crianças com os bolsos das calças a "abarrotar"... berlindes, carritos, chaves, rebuçados... entre outras coisas: um "mini-mercado" ambulante! Quando, por "dois dedos de conversa", os interpelava, a minha pergunta pelo "recheio" era simplesmente uma espécie de password para aceder ao mundo mais vasto da sua intimidade, do seu coração.
Recordo-me que, num desses encontros inesquecíveis, uma das crianças quis mostrar o seu "baú"... Fê-lo de forma tão singela - como só as crianças ainda não molestadas pela desconfiança dos adultos – são capazes. O bolso foi-se esvaziando até que a certa altura dei-me conta de alguma atrapalhação... Havia algo escondido que parecia muito precioso e Intimo e que ali guardava: "Alguma moeda ou a chave da gaiola dos seus passaritos" – pensei comigo. Apercebendo-se mais da minha curiosidade, mete novamente a mão ao bolso e tira uma foto: "Trago aqui a minha mãe!..."
Apoderou-se de mim um sentimento contraditório; compaixão e revolta: "o ninho aos passarinhos!..." A criança à família!... E, se esta não for capaz nem competente mude-se de ninho, com cuidado, que pode enjeitar! Trate-se de arranjar quem substitua de forma inequivocamente maternal e paternal. Uma criança não é uma "coisa" mas um sujeito de direitos.»