O texto abaixo foi publicado no blog do Fábio Zanini, da Folha. Por razões óbvias, permiti-me reproduzí-lo inteiramente aqui.
Vejamos uma história de sucesso no continente Africano, só para variar, no
combate à Aids em Uganda. É UM SUCESSO INQUESTIONÁVEL.
Há 15 anos, cerca de 30% da população tinham o vírus; hoje, são 6,5%.
Enquanto outros países perdiam tempo fingindo que nada acontecia, e até negando que HIV cause Aids (como na África do Sul, onde a taxa é de mais de 20%), os ugandenses agiam para conter a doença. Falar sobre o assunto, assumir o problema e discutir candidamente foi o primeiro passo. Mas teve mais.
Uganda trata a Aids de uma maneira que nós nunca faríamos. Uma maneira inusitada, para dizer o mínimo. E assumidamente moralista.
Um exemplo do que acontece por aqui: imagine que é um oficial do governo e precisa de delinear uma estratégia para reduzir a incidência de Aids junto a camionistas. Nos vários países, este é um grupo delicado: estão sempre longe de casa, cruzam fronteiras, são rodeados por prostitutas todo o tempo. São potencialmente um factor de disseminação da doença. E muitos chegam em casa e podem contaminar as suas esposas.
A meu ver, a lógica mandaria que se propagandeasse o uso de camisinhas entre caminionistas. No entanto, veja como é o cartaz do governo de Uganda: “um motorista responsável importa-se com sua família; é fiel a sua mulher”. O foco não é convencê-lo a protege-se quando dormir com prostitutas, mas tentar convencê-lo, antes de tudo, a não ter relações sexuais. Parece ingênuo, mas o governo acha que funciona. E talvez funcione mesmo.
Nos outros países, o ênfase das campanhas contra Aids é no sexo seguro: use camisinha! No Uganda, a promoção dos preservativos é apenas a perna mais fraca de um tripé que conta também com a promoção de abstinência e da fidelidade.
O slogan do governo é ABC:
A é a inicial de abstinência,
B é de “be faithful”, ou seja fiel,
C é para condom, ou camisinha.
Não surpreende, então, que o governo coloque tanta ênfase nas letras A e B.
A abstinência é direcionada para os jovens, principalmente menores de 25 anos, idade média em que eles se casam, incentivando-os a manterem-se virgens até o altar.
O B é dedicado aos casais, pedindo que sejam fiéis.
Só em último caso, se a pessoa não conseguir se abster, vem o C: pelo menos use camisinha.
Percebeu a diferença?
O enfoque tradicional nos vários países, é centrar fogo na camisinha. Em Uganda, camisinha é um último caso, quase o recurso dos pecadores.Hoje conversei com representantes de duas ONGs, esperando ouvir algumas críticas à política do ABC. Nada. Aprovam 100%. Há um consenso nacional em torno do tema. Sobra para organizações estrangeiras descerem o pau, dizendo que é irreal esperar que um jovem de 20 anos se mantenha virgem.
Mas os números estão aí, desafiando o que diz a lógica e a convicção de muitos (como eu).
São um tapa na cara dos cépticos.